Cazuza já escreveu que "só as mães são felizes". O que exatamente ele quis dizer com isso até hoje eu fico boiando na tentativa de entender. Talvez seja a franqueza, a plena amizade que possa vir a unir pais e seus filhos homossexuais. Para muitos gays, parece um sonho impossível, algo que os persegue durante toda a vida, uma espécie de "to be or not to be". Mas, eis a questão: para muitos, revelar sua homossexualidade publicamente pode parecer fácil, entretanto, fazê-lo para seus próprios pais torna-se uma tarefa praticamente inconcebível. Isso porque, sempre que pensam no assunto, em contrapartida imaginam reações das mais diversas e, o que é pior, na maioria das vezes, adversas.
Quem não se lembra de um dos maiores índices de audiência da TV brasileira nos últimos tempos, a novela "A Próxima Vítima"? Bobagem ou não, ficção oportunista ou não, o texto de Sílvio de Abreu teve importante papel na materialização dessa fantasia, trazendo para o final do milênio passado, o sonho do jovem que revela à família sua orientação sexual. Quem viu não vai esquecer a cena: Suzana Vieira conseguiu o tom exato, dividida entre a culpa e o amor, entre a dor e o desejo de compreender e aceitar, entre medo e respeito, raiva e ansiedade. Mas desse padecimento todo veio o paraíso de compreender o filho, aceitá-lo e reconstruir corajosamente sua vida com ele, juntando os pedaços de toda aquela louça quebrada.
Na mesma novela, já não foi tão fácil para a mãe vivida por Zezé Motta. Ali, a outra face da moeda apresentava exatamente a não-aceitação, o medo, a revolta, o célebre "Ai, meu Deus, o que eu fiz de errado?". E não havia cola-tudo capaz de unir os pedacinhos de toda a louça. Mas, como diz sabiamente o ditado: o que não tem remédio, remediado está. E não há chavão mais pertinente. Porque, ao fim de tudo, você se pergunta: o que mudou? Muda alguma coisa?
Ser mãe é mesmo padecer no paraíso. Pelo menos para algumas que já descobriram o susto e as delícias de ter um filho homossexual.
"Você nunca varou a Duvivier às 5
Nem levou um susto Saindo do Val Improviso
Era quase meio-dia no lado escuro da vida
Nunca viu Lou Reed "Walking on the wild side"
Nem Melodia transvirado rezando pelo Estácio
Nunca viu Allen Ginsberg pagando michê na Alaska
Nem Rimbaud pelas tantas negociando escravas brancas
Você nunca ouviu falar em maldição
Nunca viu um milagre nunca chorou sozinha num banheiro sujo
Nem nunca quis ver a face de Deus
Já frequentei grandes festas nos endereços mais quentes
Tomei champanhe e cicuta com comentários inteligentes
Mais tristes que os de uma puta no Barbarella às 15 pras 7
Reparou como os velhos vão perdendo a esperança
Com seus bichinhos de estimação e plantas?
Já viveram tudo e sabem que a vida é bela
Reparou na inocência cruel das criancinhas
Com seus comentários desconcertantes?
Adivinham tudo e sabem que a vida é bela
Você nunca sonhou ser currada por animais
Nem transou com cadáveres?
Nunca traiu teu melhor amigo
Nem quis comer a tua mãe?
Só as mães são felizes..."
Cazuza - Só as mães são felizes