sábado, 16 de setembro de 2006

Ai, se mamãe me pega agora!



Cazuza já escreveu que "só as mães são felizes". O que exatamente ele quis dizer com isso até hoje eu fico boiando na tentativa de entender. Talvez seja a franqueza, a plena amizade que possa vir a unir pais e seus filhos homossexuais. Para muitos gays, parece um sonho impossível, algo que os persegue durante toda a vida, uma espécie de "to be or not to be". Mas, eis a questão: para muitos, revelar sua homossexualidade publicamente pode parecer fácil, entretanto, fazê-lo para seus próprios pais torna-se uma tarefa praticamente inconcebível. Isso porque, sempre que pensam no assunto, em contrapartida imaginam reações das mais diversas e, o que é pior, na maioria das vezes, adversas.
Quem não se lembra de um dos maiores índices de audiência da TV brasileira nos últimos tempos, a novela "A Próxima Vítima"? Bobagem ou não, ficção oportunista ou não, o texto de Sílvio de Abreu teve importante papel na materialização dessa fantasia, trazendo para o final do milênio passado, o sonho do jovem que revela à família sua orientação sexual. Quem viu não vai esquecer a cena: Suzana Vieira conseguiu o tom exato, dividida entre a culpa e o amor, entre a dor e o desejo de compreender e aceitar, entre medo e respeito, raiva e ansiedade. Mas desse padecimento todo veio o paraíso de compreender o filho, aceitá-lo e reconstruir corajosamente sua vida com ele, juntando os pedaços de toda aquela louça quebrada.
Na mesma novela, já não foi tão fácil para a mãe vivida por Zezé Motta. Ali, a outra face da moeda apresentava exatamente a não-aceitação, o medo, a revolta, o célebre "Ai, meu Deus, o que eu fiz de errado?". E não havia cola-tudo capaz de unir os pedacinhos de toda a louça. Mas, como diz sabiamente o ditado: o que não tem remédio, remediado está. E não há chavão mais pertinente. Porque, ao fim de tudo, você se pergunta: o que mudou? Muda alguma coisa?
Ser mãe é mesmo padecer no paraíso. Pelo menos para algumas que já descobriram o susto e as delícias de ter um filho homossexual.

"Você nunca varou a Duvivier às 5
Nem levou um susto Saindo do Val Improviso
Era quase meio-dia no lado escuro da vida
Nunca viu Lou Reed "Walking on the wild side"
Nem Melodia transvirado rezando pelo Estácio
Nunca viu Allen Ginsberg pagando michê na Alaska
Nem Rimbaud pelas tantas negociando escravas brancas
Você nunca ouviu falar em maldição
Nunca viu um milagre nunca chorou sozinha num banheiro sujo
Nem nunca quis ver a face de Deus

Já frequentei grandes festas nos endereços mais quentes
Tomei champanhe e cicuta com comentários inteligentes
Mais tristes que os de uma puta no Barbarella às 15 pras 7
Reparou como os velhos vão perdendo a esperança
Com seus bichinhos de estimação e plantas?
Já viveram tudo e sabem que a vida é bela
Reparou na inocência cruel das criancinhas
Com seus comentários desconcertantes?
Adivinham tudo e sabem que a vida é bela

Você nunca sonhou ser currada por animais
Nem transou com cadáveres?
Nunca traiu teu melhor amigo
Nem quis comer a tua mãe?

Só as mães são felizes..."

Cazuza - Só as mães são felizes

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Sexo, drogas... e o que mais mesmo?



No último sábado, acabei fazendo um programa que há tempos não fazia. À tarde meu amigo Eduardo, um dos mais antigos e queridos por sinal, me ligou, chamando para uma reuniãozinha em sua casa, logo mais à noite, para comer um hot dog com refri, jogar conversa fora e assistir um DVD. Como estou "namorandinho", adorei a opção de um programinha light. Pois bem, chegamos à casa de Dudu por volta das 9 da noite, onde mais cinco de meus amigos já nos esperavam. Sentamos à mesa e fizemos nosso lanchinho, conversamos e rimos muito, depois vimos um filme em DVD ("Sentinela", com Michael Douglas, mais ou menos...). Pouco depois da meia-noite estávamos indo embora, satisfeitos.
Pensando nisso depois, me lembrei de algo que li certa vez, ou ouvi, não tenho bem certeza, assim como não lembro quem foi o autor da frase: "A classe média hoje se sustenta em três pilares: sexo, drogas e Credicard." Isso se aplica muito à comunidade gay. Por isso, às vezes até estranhamos quando nos convidam para uma reunião onde não há intermináveis filas no banheiro, garage ou techno no cd player e gente se pegando.
Conheço um monte de gente que vive nesta trinca, não necessariamente nesta ordem, praticamente toda a vida. Gente que não consegue por o pé na rua se não estiver colocado. Que não consegue dançar se não for garage ou drag music. Gente que não se diverte se não rolar uma pegação e que não marca um segundo encontro porque descobriu que a biba compra na Riachuelo. Pouco a pouco, a estética e o estilo de vida do mundo gay vão impondo um padrão autoritário que não admite cidadãos de segunda categoria. Dependendo do lugar onde se vai, ou você é malhadérrimo, ou você não existe. Em alguns bares e boates, se você não se colocar, não consegue nem entender o que se passa a sua volta. Conheço pessoas que saem e, se não rolar uma cama no final, acham a noite horrível e monótona.
Estou longe de ser uma freira carmelita. Adoro gente bonita, dançar até de madrugada e uma boa tequila. Não há nada pior do que ônibus cheio ou depender da carona dos outros. Mas ando um tanto cansado do autoritarismo da barbie, da tirania da Colcci e da ditadura do ecstasy. Nada contra, mas é limitar demais a vida. Talvez por isso mesmo a gente deva se patrulhar para não reproduzir esquemas radicais.
Alguém já percebeu que o mundo gay racha praticamente ao meio quando o assunto é casamento? Os tipos são inconfudíveis. De um lado, a biba que não consegue ficar sem alguém. Para ela, todos os solteiros são umas vagabundas e quem só quer uma diversão é uma irremediável galinha. De outro lado, as bibas cuja auto-estima é tão grande, mas tão grande, que qualquer tentativa de alguém se aproximar é considerada "invasão do meu espaço". Estas não casam nunca. Até namoram. Mas casar, nem pensar. Enquanto isso, perdemos de vista coisas pelas quais deveríamos ter mais carinho. Ou deixamos de brigar pelo que é justo.
E como eu pude provar pelo meu último sábado, uma coisa tão simples como curtir o namorado e os amigos, não tem modismo que supere. Não tem preço.

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Orgulho e preconceito



Uma coisa que sempre achei interessante entre os gays é a capacidade que eles têm de rir de si mesmos e de suas agruras. A reversão do preconceito em orgulho faz parte disso. Nós gays nos chamamos de bicha, gay, boiola, viado, mona, mulher, sem o menor problema, como que para afirmar ao mundo hétero: "somos mesmo e nos orgulhamos disso!"
No entanto, quando tais palavras são proferidas da boca de algum cidadão oriundo desse "mundo hétero", tomam dimensões diferentes, pejorativas, por vezes assustadoras. Nos filmes de suspense e terror, ainda mais se têm roteiros meio convencionais, uma coisa é certa: cuidado! O monstro ainda não morreu. Não relaxe na poltrona se tudo o que rola na tela parece ter sido resolvido, porque o susto vem quase sempre garantido. É assim com o preconceito. A gente vai se animando, comemorando pequenas vitórias e, quando pensa que as mentalidades evoluíram, o monstro levanta do pântano, horrendo, disposto a dar cabo do casal do bem que, a caminho de casa, já respirava aliviado.
A má vontade com a homossexualidade parece esse monstrengo, mas com duas cabeças. A mais visível delas age com um preconceito medieval, aquele velho ódio que persiste no tempo. A outra face tem um contorno bem mais sutil. Funciona quase como um subconsciente. É o preconceito que se pega na curva. Geralmente, ele aflora no discurso de alguém que se imagina perfeitamente de acordo com a variedade das manifestações existenciais humanas, uma pessoa sem preconceitos.
Esse preconceito que se revela sem querer, mais do que a violência explícita, faz a gente perceber que o roteiro desse filme ainda guarda muitos sustos. Para a maioria tudo isso parece obscuro. A impressão que vem se difundindo desde o tema "gay" tornou-se assunto discutido em toda a sociedade é outra. O mito de que a homossexualidade não é mais a questão. Que sua discussão perdeu relevância, porque a orientação sexual de uma pessoa não faz mais a menor diferença. Mas os fatos desmentem o mito. Basta ler os jornais ou contar os homossexuais assumidos que qualquer um de nós conhece. Os monstros provam que o preconceito vive, mesmo que eles saltem sutis das entrelinhas, como ocorre na maior parte dos discursos tolerantes que se ouve. Quem estudou na época da ditadura, como eu, deve ter aprendido que no Brasil não havia preconceito contra negros, Que aqui se formou uma democracia racial, uma sociedade miscigenada. Hoje, a duras penas, conseguimos assumir que o que os livros de OSPB diziam era muito bonito, mas não era verdade. E que o negro brasileiro enfrenta, até hoje, muita discriminação.
O preconceito de orientação sexual está indo pelo mesmo caminho. E ao ser negado, ele se torna mais cuel do que aquele que se manifesta concretamente, até porque fica mais difícil de ser combatido. Carecas de ir ao cinema, a gente nem curte mais esses filmes convencionais, com monstros que ressucitam. Por isso é bom ouvir a frase toda quando alguém começa com "eu não tenho nenhum preconceito" . A paz que a verdadeira ausência de preconceitos traz ainda não chegou ao coração da maioria dos homens.