sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Orgulho e preconceito



Uma coisa que sempre achei interessante entre os gays é a capacidade que eles têm de rir de si mesmos e de suas agruras. A reversão do preconceito em orgulho faz parte disso. Nós gays nos chamamos de bicha, gay, boiola, viado, mona, mulher, sem o menor problema, como que para afirmar ao mundo hétero: "somos mesmo e nos orgulhamos disso!"
No entanto, quando tais palavras são proferidas da boca de algum cidadão oriundo desse "mundo hétero", tomam dimensões diferentes, pejorativas, por vezes assustadoras. Nos filmes de suspense e terror, ainda mais se têm roteiros meio convencionais, uma coisa é certa: cuidado! O monstro ainda não morreu. Não relaxe na poltrona se tudo o que rola na tela parece ter sido resolvido, porque o susto vem quase sempre garantido. É assim com o preconceito. A gente vai se animando, comemorando pequenas vitórias e, quando pensa que as mentalidades evoluíram, o monstro levanta do pântano, horrendo, disposto a dar cabo do casal do bem que, a caminho de casa, já respirava aliviado.
A má vontade com a homossexualidade parece esse monstrengo, mas com duas cabeças. A mais visível delas age com um preconceito medieval, aquele velho ódio que persiste no tempo. A outra face tem um contorno bem mais sutil. Funciona quase como um subconsciente. É o preconceito que se pega na curva. Geralmente, ele aflora no discurso de alguém que se imagina perfeitamente de acordo com a variedade das manifestações existenciais humanas, uma pessoa sem preconceitos.
Esse preconceito que se revela sem querer, mais do que a violência explícita, faz a gente perceber que o roteiro desse filme ainda guarda muitos sustos. Para a maioria tudo isso parece obscuro. A impressão que vem se difundindo desde o tema "gay" tornou-se assunto discutido em toda a sociedade é outra. O mito de que a homossexualidade não é mais a questão. Que sua discussão perdeu relevância, porque a orientação sexual de uma pessoa não faz mais a menor diferença. Mas os fatos desmentem o mito. Basta ler os jornais ou contar os homossexuais assumidos que qualquer um de nós conhece. Os monstros provam que o preconceito vive, mesmo que eles saltem sutis das entrelinhas, como ocorre na maior parte dos discursos tolerantes que se ouve. Quem estudou na época da ditadura, como eu, deve ter aprendido que no Brasil não havia preconceito contra negros, Que aqui se formou uma democracia racial, uma sociedade miscigenada. Hoje, a duras penas, conseguimos assumir que o que os livros de OSPB diziam era muito bonito, mas não era verdade. E que o negro brasileiro enfrenta, até hoje, muita discriminação.
O preconceito de orientação sexual está indo pelo mesmo caminho. E ao ser negado, ele se torna mais cuel do que aquele que se manifesta concretamente, até porque fica mais difícil de ser combatido. Carecas de ir ao cinema, a gente nem curte mais esses filmes convencionais, com monstros que ressucitam. Por isso é bom ouvir a frase toda quando alguém começa com "eu não tenho nenhum preconceito" . A paz que a verdadeira ausência de preconceitos traz ainda não chegou ao coração da maioria dos homens.

8 comentários:

Andrea disse...

Maravilhoso, Fernando! Eu tenho ouvido muita coisa deplorável em rodinhas descoladas.

Gente aceita gay como exótico ou aqueles que vestem o manto mal ajambrado da tal TOLERÂNCIA (palavra feia!) para dizer: "Tem muito gay legal no mundo...desde que não mexam comigo...hehehe!"

Ainda bem que você voltou a blogar. Amo teu texto!

Anônimo disse...

Eu vinha pensando sobre isso de nós não nos importarmos em nos chamar de viado ou bicha, etc.. É bem interessante mesmo, rs... Sobre o preconceito, não sei se é pior quando se manifesta discaradamente ou nas entrelinhas... E o piior é que vc tem razão, por mais que cada dia mais pessoas entrem na moda de falar que não têm preconceito, direto temos novos sustos por aí.
O que nos resta é lutar.

Fê Guimarães disse...

Fatos recentes como os que aconteceram no Shopping Frei Caneca e no shopping de Goiânia (do qual, inclusive, o Rê militou contra), não me deixam mentir. Esse preconceito velado fechou duas boates gays aqui de S. José e vem tentando também fechar o bar, a única opção que nos restou (foda-se PSDB!)

Andrea, você elogiando meu texto é uma honra, afinal, o seu é primoroso! Beijo!

Anônimo disse...

Fer,eu já até comentei em sala com meus alunos sobre a inconstitucionalidade dos quarteis em expulsar os gays "descobertos" no serviço militar.
Tomara q a lei sobre a uniao homoafetiva seja aprovada rapido, me irrita esse preconceito idiota da legislacao brasileira.
Sorry, o texto eh tao leve eu transformando em debate juridico!hahah
beijo, te lovo!

Anônimo disse...

Postei no meu blog agora e acabei fazendo uma citação a este post, veja lá.

Anônimo disse...

ODEIO preconceitos ! Sei lá, respeito ao próximo se aprende em casa e em relação a isso eu fui bem educada!

Quer saber ? Já conheci muita gente hetero, branca, católica e com dinheiro - porém, totalmente cabeça-fechada ! Tenho preoconeito com eles, isso sim.

Andrea disse...

Depois que a gente conhece e não gosta, tudo bem...já vira PÓS-conceito! É legítimo...heheh

Anônimo disse...

Fê, é exatamente isso que eu penso. É engraçado como as coisas são. Uma amiga dá cursos numa universidade exclusiva para negros onde há grandes empresas patrocinando. Porém essas empresas (cito o Banco Itaú como exemplo)preferem ficar no anonimato.
Me pergunto como vencer qualquer tipo de preconceito se ele já vem dos "estudiosos" e "cultos"?